Eutanásia
Eutanásia ( "boa morte") é a prática pela qual se abrevia a vida de um enfermo incurável de maneira controlada e assistida por um especialista.
A eutanásia representa actualmente uma complicada questão de bioética e biodireito, pois enquanto o Estado
tem como princípio a proteção da vida dos seus cidadãos, existem
aqueles que, devido ao seu estado precário de saúde, desejam dar um fim
ao seu sofrimento antecipando a morte.
Independentemente da forma de eutanásia praticada, seja ela
legalizada ou não (tanto em Portugal como no Brasil esta prática é
considerada ilegal), ela é considerada um assunto controverso, existindo
sempre prós e contras – teorias eventualmente mutáveis com o tempo e a
evolução da sociedade, tendo sempre em conta o valor de uma vida humana.
Sendo eutanásia um conceito muito vasto, distinguem-se aqui os vários
tipos e valores intrinsecamente associados:
eutanásia,
distanásia,
ortotanásia, a própria
morte e a
dignidade humana.
Em primeiro lugar, é importante ressaltar que a eutanásia pode ser
dividida em dois grupos: a "eutanásia ativa" e a "eutanásia passiva".
Embora existam duas "classificações" possíveis, a eutanásia em si
consiste no acto de facultar a morte sem sofrimento a um indivíduo cujo
estado de doença é crónico e, portanto, incurável, normalmente associado
a um imenso sofrimento físico e psíquico.
A "eutanásia ativa" conta com o traçado de acções que têm por
objectivo pôr término à vida, na medida em que é planeada e negociada
entre o doente e o profissional que vai levar e a termo o acto.
A "eutanásia passiva" por sua vez, não provoca deliberadamente a
morte, no entanto, com o passar do tempo, conjuntamente com a
interrupção de todos e quaisquer cuidados médicos, farmacológicos ou
outros, o doente acaba por falecer. São cessadas todas e quaisquer
acções que tenham por fim prolongar a vida. Não há por isso um acto que
provoque a morte (tal como na eutanásia activa), mas também não há
nenhum que a impeça (como na distanásia).
É relevante distinguir eutanásia de "suicídio assistido", na medida
em que na primeira é uma terceira pessoa que executa, e no segundo é o
próprio doente que provoca a sua morte, ainda que para isso disponha da
ajuda de terceiros.
Etimologicamente, distanásia é o oposto de eutanásia. A distanásia
defende que devem ser utilizadas todas as possibilidades para prolongar a
vida de um ser humano, ainda que a cura não seja uma possibilidade e o
sofrimento se torne demasiadamente penoso.
Argumentos
A favor
Para quem argumenta a favor da eutanásia, acredita-se que esta seja
um caminho para evitar a dor e o sofrimento de pessoas em fase terminal
ou sem qualidade de vida, um caminho consciente que reflete uma escolha
informada, o término de uma vida em que, quem morre não perde o poder de
ser ator e agente digno até ao fim.
São raciocínios que participam na defesa da autonomia absoluta de
cada ser individual, na alegação do direito à autodeterminação, direito à
escolha pela sua vida e pelo momento da morte. Uma defesa que assume o
interesse individual acima do da sociedade que, nas suas leis e códigos,
visa proteger a vida. A eutanásia não defende a morte, mas a escolha
pela mesma por parte de quem a concebe como melhor opção ou a única.
A escolha pela morte não poderá ser irrefletida. As componentes
biológicas, sociais, culturais, econômicas e psíquicas têm que ser
avaliadas, contextualizadas e pensadas, de forma a assegurar a
verdadeira autonomia do indivíduo que, alheio de influências exteriores à
sua vontade, certifique a impossibilidade de arrependimento.
Quando uma pessoa passa a ser prisioneira do seu corpo, dependente na
satisfação das necessidades mais básicas; o medo de ficar só, de ser um
"fardo", a revolta e a vontade de dizer "Não" ao novo estatuto,
levam-no a pedir o direito a morrer com dignidade. Obviamente, o pedido
deverá ser ponderado antes de operacionalizado, o que não significa a
desvalorização que tantas vezes conduz esses homens e mulheres a lutarem
pela sua dignidade anos e anos na procura do não prolongamento de um
processo de deterioramento ou não evolução.
"A dor, sofrimento e o esgotamento do projeto de vida, são situações que levam as pessoas a desistirem de viver" (Pinto, Silva – 2004 - 36) Conduzem-nas a pedir o alívio da dor, a dignidade e piedade no morrer, porque na vida em que são "atores" não reconhecem qualidade. A qualidade de vida para alguns homens não pode ser um demorado e penoso processo de morrer.
No Brasil, normalmente é apontado como suporte a essa posição o art. 1º, III, da Constituição Federal,
que reconhece a "dignidade da pessoa humana" como fundamento do Estado
Democrático de Direito, bem como o art. 5º, III, também da Constituição
da República, que expressa que "ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante", além do art. 15 do Código Civil que
expressa que "Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de
morte, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica", o que autoriza o
paciente a recusar determinados procedimentos médicos, e o art. 7º,
III, da Lei Orgânica de Saúde, de nº 8.080/90, que reconhece a
"preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade
física e moral".
No Estado brasileiro de São Paulo, existe a Lei dos Direitos dos
Usuários dos Serviços de Saúde do Estado de São Paulo, de nº 10.241/99,
que em seu art. 2º, Inciso XXIII, expressa que são direitos dos usuários
dos serviços de saúde no Estado de São Paulo "recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida".
A autonomia no direito a morrer não é permitida em detrimento das
regras que regem a sociedade, o comum, mas numa política de contenção
económica, não serão os custos dessa obrigatoriedade elevados?
Além do mais, em um país como o Brasil, onde o acesso à saúde pública
não é satisfatório, a prática da eutanásia é muitas vezes encarada como
um modo de proporcionar a doentes de casos emergenciais uma vaga nos
departamentos de saúde.
Contra
Muitos são os argumentos contra a eutanásia, desde os religiosos,
éticos até os políticos e sociais. Do ponto de vista religioso a
eutanásia é tida como uma usurpação do direito à vida humana, devendo
ser um exclusivo reservado ao Senhor, ou seja, só Deus pode tirar a vida
de alguém. "algumas religiões, apesar de estar consciente dos motivos
que levam a um doente a pedir para morrer, defende acima de tudo o
caráter sagrado da vida,…" (Pinto, Susana; Silva, Florido,2004, p. 37).
Da perspectiva da ética médica, tendo em conta o juramento de Hipócrates,
segundo o qual considera a vida como um dom sagrado, sobre a qual o
médico não pode ser juiz da vida ou da morte de alguém, a eutanásia é
considerada homicídio.
Cabe assim ao médico, cumprindo o juramento Hipocrático, assistir o
paciente, fornecendo-lhe todo e qualquer meio necessário à sua
subsistência. Para além disto, pode-se verificar a existência de muitos
casos em que os indivíduos estão desenganados pela Medicina tradicional e depois procurando alternativas conseguem curar-se.
"Nunca é lícito matar o outro: ainda que ele o quisesse, mesmo se
ele o pedisse (…) nem é lícito sequer quando o doente já não estivesse
em condições de sobreviver" (Santo Agostinho in Epístola)
Outro dos argumentos contra, centra-se na parte legal, uma vez que o Código Penal
atual não especifica o crime da eutanásia, condenando qualquer ato
antinatural na extinção de uma vida. Sendo quer o homicídio voluntário, o
auxilio ao suicídio ou o homicídio mesmo que a pedido da vitima ou por
"compaixão", punidos criminalmente.
O dicionário Houaiss diz que eutanásia é “ato de proporcionar morte
sem sofrimento a um doente atingido por afecção incurável que produz
dores intoleráveis”. O dicionário Aurélio afirma que eutanásia é: “1.
Morte serena, sem sofrimento. 2. Prática pela qual se busca abreviar,
sem dor ou sofrimento, a vida dum enfermo reconhecidamente incurável”. O
dicionário De Plácido e Silva, considera que Eutanásia é “derivado do
grego eu (bom) e thanatos (morte) quer significar, vulgarmente, a boa
morte, a morte calma, a morte doce e tranquila“. Juridicamente,
entende-se o direito de matar ou o direito de morrer, em virtude de
razão que possa justificar semelhante morte, em regra provocada para
término de sofrimentos, ou por medida de seleção, ou de eugenia. A
eutanásia provocada por outrem, ou a morte realizada por misericórdia ou
piedade, constitui o homicídio ou criem eutanásico, considerado como a
suprema caridade. Não é, no entanto, a eutanásia admitida pelo nosso
Direito Penal. Mas admitem-na outras legislações. E ainda apegando-nos
as referências essências da ética, e em particular a da moral católica,
que desenvolveu amplamente os temas relacionados a bioética, devemos
esclarecer o alcance do assunto correlativo, que leva o nome de
“dignidade da morte” ou de “humanização da morte” A eutanásia é um
assunto que sempre foi discutido, afinal era muito utilizada
principalmente por povos primitivos, como afirma o criminalista Luiz
Flávio Borges D’Urso. Há muito tempo atrás os Celtas tinham em sua
cultura o “hábito que os filhos matassem os seus pais quando estes
estivessem velhos e doentes” e na Índia era ainda pior, “os doentes
incuráveis eram levados até a beira do rio Ganges, onde tinham as suas
narinas e a boca obstruídas com o barro”, muito tempo se passou e este
assunto foi discutido por muitos filósofos como Platão, Sócrates. Mais
tarde, no século XX na Europa, pensou em usar este procedimento para
eugenia, eliminando assim os que para a sociedade não são “prósperos”,
sendo uma verdadeira matança. Um fato recente ocorrido no Brasil foi em
1996, quando no Senado Federal o senador Gilvam Borges (PMDB-AP), propôs
um projeto de lei (125/96) que pretendia liberar a prática em algumas
situações, sendo arquivada pelos parlamentares. Diferentemente deste é o
conceito do deputado Osmâmio Pereira (PTB-MG) do qual, indagou a idéia
de ser considerada a eutanásia crime hediondo, sendo o seu projeto de
lei também arquivado. Logo entendemos que no Brasil este procedimento
não é aceito e sequer é mencionado na Constituição Federal, e ainda
alguns juristas acreditam que quando é praticada essa conduta pode ser
aplicado ao autor o artigo 121 do código penal que é “matar alguém”,
considerado crime doloso. Mais recentemente ainda, a campanha da
fraternidade lançada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) em 2008, “Escolhe, pois a vida” se manifestava dentro outras
coisas, contra a eutanásia. Sendo no Brasil a eutanásia considerada
homicídio dolosa.
O doente
As pessoas com doença crônica e, portanto, incurável, ou em estado
terminal, têm naturalmente momentos de desespero, momentos de um
sofrimento físico e psíquico muito intenso, mas também há momentos em
que vivem a alegria e a felicidade. Estas pessoas lutam dia após dia
para viverem um só segundo mais. Nem sempre um ser humano com uma
determinada patologia quer morrer "porque não tem cura"! Muitas vezes
acontece o contrário, tentam lutar contra a Morte, tal como refere
Lucien Israël: "Não defendem uma politica do tudo ou nada. Aceitam ficar
diminuídos desde que sobrevivam, e aceitam sobreviver mesmo que sintam
que a doença os levará um dia. (…) dizem-nos com toda a simplicidade: se
for necessário, eu quero servir de cobaia. (…) arriscam o termo para
nos encorajarem à audácia. (Israël, Lucien; 1993; 86-87).
Contrariando esta tendência de luta a todo o custo, em alguns casos
surgem os doentes que realmente estão cansados de viver, que não
aguentam mais sentirem-se "um fardo", ou sentirem-se sozinhos, apenas
acompanhados por um enorme sofrimento de ordem física, psíquica ou
social. Uma pessoa cuja existência deixou de lhe fazer sentido sofre, no
seu íntimo, e muitas vezes isolada no seu mundo interior; sente que
paga a cada segundo que passa uma pena demasiadamente pesada pelo
simples facto de existir.
Nesta altura, e quando a morte parece ser a única saída que o doente
vislumbra, dever-se-á informar o doente dos efeitos, riscos, dos
sentimentos, das reacções que a Eutanásia comporta, da forma como é ou
vai ser praticada. Só assim o doente poderá decidir conscienciosamente e
ter a certeza de que, para si, essa é a melhor opção. No entanto, e a
par da informação, o doente deve ser acompanhado psicologicamente, a fim
de se esclarecer que este não sofre de qualquer distúrbio mental,
permanente ou temporário, e está capacitado para decidir por si e pela
sua Vida.
Há autores que defendem que um ser humano, ainda que a sofrer
demasiado, se bem tratado, não pede a Eutanásia. Hoje em dia podem ser
administrados analgésicos e outros fármacos que minimizam o sofrimento e
efeitos da doença e de intervenções técnicas, a uma pessoa em estado
terminal.
"Não podemos admitir que estas pessoas não tenham um acompanhamento
digno na sua morte e no seu percurso até ela. Não podemos fechar os
olhos a alguém que com muito sacrifício se abre connosco e manifesta o
desejo de morrer; não podemos ignorar um pedido de Eutanásia e deixá-lo
passar em branco! Os pedidos de Eutanásia por parte dos doentes são
muitas vezes pedidos de ajuda, implorações para que se pare o seu
sofrimento! Segundo estes autores, a maioria das pessoas que se
encontram na recta final da sua vida, não desiste! Estas pessoas
"Persistem e dão-nos coragem para fazermos o mesmo." (Israël, Lucien;
1993;87).
Talvez a esta altura seja pertinente pensarmos que um dia podemos ser
nós, um familiar ou um amigo próximo, a estar numa situação em que "não
há mais nada a fazer"; para essas pessoas, resta-lhes a esperança e
apoio da família. Muitas pessoas que se encontram nesta fase, sentem-se
um peso pela doença e a necessidade de cuidados e pela preocupação e o
cansaço estampados nos rostos daqueles que amam e estavam habituados a
ver sorridentes.
No entanto, e após as relações anteriores, não é correcto pensar que
um pedido de Eutanásia não possa ser um pedido refletido e ser a
verdadeira vontade daquele Ser Humano, alheia a factores económicos,
sociais, culturais, religiosos, físicos e psíquicos.
Família e sociedade
O Homem como animal
cultural, social e individual, quando inserido nos diferentes grupos,
vai oferecer-lhes toda a sua complexidade que caracteriza o particular e
o comum aos diferentes elementos que os constituem. A família grupo elementar que é para cada indivíduo e para a Sociedade,
quando confrontado com a morte reage na sua especificidade que a
caracteriza, quando o confronto é com as diferentes situações que podem
levar um ser humano a lutar pelo direito a morrer, essas especificidades
não desaparecem.
É a diferença essencialmente cultural e social, que faz com que a legislação mude de país para país, que faz com que os Países Baixos tenha legalizado a eutanásia e o nosso país não.
Num país como Portugal em que a morte tem perdido visibilidade, é excluída de práticas antigas, os familiares são afastados, as crianças não sabem o que é, os processos de luto
são cada vez menos vividos e morre-se mais nos hospitais, no lar ou em
casa dependente nos cuidados. Uns por opção e altruísmo, pelo manter do
seu papel e estatuto social,
como opção lúcida e reconhecida; outros por medo, por a família não
aceitar ou não querer vivenciar essa última fase em que culmina a vida.
Em Portugal morrer sozinho pode ser mais do que um título, é muitas vezes realidade ou uma escolha.
Num país em que esperança média de vida aumenta, em que a todo o momento se vende o
light e o saudável, contrasta a realidade dos acidentes vasculares cerebrais (AVC) como primeira causa de morte e as doenças de foro oncológico
como segunda. Muitas doenças "arrastam-se" para a cronicidade com o
aumento de esperança de vida vigente na nossa Sociedade. No nosso país a
maioria das pessoas quer salvar, ainda não considera o término do
sofrimento como algo qualitativo, em detrimento do arrastar da
decadência física e psíquica. O "fazer tudo que estiver ao seu alcance
para manter a vida" é o mais aceite na nossa Sociedade, no entanto o
acto de promover a morte antes do que seria de esperar, por motivo de
compaixão e diante de um sofrimento penoso e insuportável, sempre foi
motivo de reflexão por parte da Sociedade. Frequentemente a família
divide-se entre o que existe entre a eutanásia e a distanásia.
Salvar, fazer uso dos meios, do conhecimento, dos dadores, de todos
os recursos para salvar é lógico. No entanto, os cuidados paliativos que
visam a melhor qualidade de vida
possível para o doente e para a família, pode ou não equivaler a
definição de qualidade desses intervenientes, o que pode levantar
dúvidas, despoletar as habituais polémicas associadas ao debate do tema.
Quando se fala neste, as opiniões divergem, o debate acende-se e os
extremos refutam com prós e contras, sendo a maioria contra.
Num país laico, como Portugal, em que a maioria da sua população é de orientação religiosa cristã, rege-se pela palavra de Deus inscrita na Bíblia, segue maioritariamente o que Deus ordena;
"Não matarás". Também por isto é fácil compreender o número de famílias que não considera eutanásia como opção.
Perante o tabu da morte
e a família como um elemento cuidador e na sociedade, existe inúmeros
contextos e particularidades é necessário definir o comum. A eutanásia
continuará a suscitar grande polémica
na sociedade, de argumentos supostamente válidos entre os que defendem a
legalização e os que a condenam, havendo assim necessidade de
compreender a moral à prática concreta dos homens enquanto membros de
uma dada sociedade, com condicionalismos diversos e específicos, e
reflectir sobre essas práticas (ética), afinal a vida humana é direito em qualquer sociedade.